Portugal perdeu o rumo – mas nós não perdemos!

21-05-2025

No passado domingo à noite, algo dentro deste país rachou. Não de repente, não explosivamente - mas no silêncio - poluindo o som da esperança, dando espaço ao cinismo. Portugal votou, e o resultado não é apenas desapontante – é devastador. É a confirmação da direção que trai aqueles mais vulneráveis entre nós, e também a própria alma da nossa nação, daquilo que poderíamos um dia vir a ser.

Isto não foi apenas uma eleição. Foi um referendo acerca da decência, compaixão, verdade – e nós perdemos. Não porque estamos errados, mas porque muitos escolheram o medo sobre a coragem, crueldade sobre solidariedade, conforto sobre consciência.

Vimos em primeira mão a normalização do ódio – uma erosão lenta e calculada da verdade, até que esta se tornou maleável o suficiente para servir os poderosos. Vimos os oportunistas renomear o preconceito como "senso comum", austeridade como "disciplina" e desigualdade como "inevitabilidade". Vimos os slogans vazios substituírem ideias, e o ruído da indignação fabricada afogar as vozes da razão, carinho e justiça.

O que doí não é apenas o facto de termos perdido – é que muitos de nós finalmente se aperceberam daquilo que está em jogo. As pessoas que conheceram dificuldades votaram contra a sua própria sobrevivência. Aqueles que deveriam juntar-se na luta escolheram virar-se uns contra os outros, enquanto aqueles que seguram o verdadeiro poder relaxaram e viram do camarote, sorrindo.

Estamos de luto, sim. Porque luto é a única resposta honesta para o futuro que agora parece mais pequeno, zangado e incerto. Mas luto não é o mesmo que derrota, e luto, quando partilhado e percebido, torna-se em algo completamente novo: RESISTÊNCIA.

Nós não seremos silenciados. Nós não iremos desaparecer no silêncio do fundo enquanto oportunistas destroem aquilo que levou gerações a ser construído. A nossa presença será alta, constante e inconveniente. Exigiremos mais – desde aqueles que lideram, daqueles que relatam, e de nós próprios. Seremos organizados, educados e mobilizados. Não com inocência, mas com claridade. Não com esperança cega, mas com um propósito feroz.

Construiremos movimentos que não dependem da vontade daqueles que estão no poder, mas na força daqueles que estes ignoram. Iremos defender o direito dos trabalhadores, imigrantes, comunidade LGBTQ+, pessoas, mulheres, idosos, jovens, pobres – não porque está na moda, mas porque tal é necessário. Porque nenhuma sociedade que abandona os seus mais vulneráveis merece considerar-se justa.

Acima de tudo, iremos lembrar-nos deste momento – não como desespero, mas para assegurar que jamais acontecerá novamente.

Para aqueles que celebraram essa noite, que celebraram a sua vitória pequena e vazia, nós dizemos isto: a vossa vitória é temporária, pois não é possível governar sem decência humana. Não podem legislar o silêncio. Não podem governar um povo que se recusa a parar de acreditar.

E para aqueles que se sentem perdidos nos dias que correm, que acordaram com um peso no seu peito e com dúvida nos seus corações – saibam isto: vocês não caminham sós. Nós somos milhões. Estamos cansados, sim. Mas não, eles não nos quebraram. Estamos aqui, e estamos apenas a começar. 

A história está cheia de noites como esta – amargas, nefastas, onde as piores vozes parecem ser as vencedoras. Mas a história mostra-nos também outra coisa: que nada construído com crueldade e medo dura para sempre. O que perdura é construído com trabalho, com amor e com uma fé teimosa em algo melhor.

Temos um longo caminho pela frente. Vai ser exaustivo. Vai ser frustrante, mas vai ser nosso. E caminharemos juntos – não porque estamos certos da vitória, mas porque sabemos que é a luta em si que dá propósito à vida.

Para aqueles que se consideram os vencedores de domingo, desfrutem do vosso momento: construam as vossas paredes, façam as vossas conferências de imprensa. Mas saibam o seguinte: nós estamos atentos, estamos em organização, e estamos a caminho. Não importa o quão alto subam, não importa o quão altas sejam as vossas vozes, nunca serão capazes de infligir a nós o silêncio. 

Porque muitos de nós acreditam em algo mais que poder.

Alguns de nós ainda acreditam no próximo.

Alguns de nós, nunca irão desistir. 

Para terminar este artigo, deixo-vos este excerto inspirado por Dostoiévski, como mecanismo de reflexão para o futuro.

Perguntam-me o que é que o ser humano mais precisa. Não é conforto, nem paz, nem sequer felicidade. O homem precisa de sentido. Precisa de sofrer por algo, de se ajoelhar perante algo maior do que ele próprio.
O mundo oferece prazeres, distrações, luxo — e, no entanto, a alma grita mais alto do que nunca.
Não fomos feitos para o conforto. Fomos feitos para a luta, para a consciência, para a liberdade terrível de escolher entre o bem e o mal, vezes sem conta.
A maior tragédia do ser humano não é o facto de sofrer, mas sim sofrer sem compreender porquê.
E a maior glória não está em evitar a dor, mas em transformá-la em amor.
Digo-vos: não há heroísmo na facilidade. A verdadeira força está no perdão, em permanecer à beira do desespero e, mesmo assim, sussurrar: "ainda acredito."
Acompanhei o ser humano nos seus abismos mais profundos — vi o desespero, a vergonha, a perda da dignidade. E, mesmo assim, afirmo: o homem é belo.
Porque mesmo no seu momento mais baixo, pode ainda escolher a luz.

Gonçalo Brito


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