O Turnout das Eleições Americanas
Nesta passada 4ª feira, concluíram-se as eleições presidenciais americanas. Foram meses duros, complexos, com momentos bastante caricatos que culminaram num resultado, talvez, esperado.
Donald Trump é então nomeado o 47º presidente dos Estados Unidos da América, tornando-se assim o primeiro presidente criminoso condenado da história americana. Numa sociedade onde cerca de 60% a 75% dos reclusos tem dificuldade em encontrar emprego no primeiro ano de liberdade e onde cerca de 27% desses são desempregados, é irónico que este nível de discriminação não chegue ao gabinete oval (análise do Prision Policy Initiative - 2018).
Trump comprometeu-se em atacar dois grandes "problemas". Em primeiro lugar, a imigração. Comprometeu-se em intensificar o controlo de fronteiras e limitar os benefícios de imigrantes em situação irregular. Propôs, por exemplo, classificar cartéis de droga mexicanos como organizações terroristas, justificando assim políticas de segurança mais rígidas. Tal pode trazer bastantes complicações diplomáticas com o México e enfrentar vários desafios legais nos EUA.
Em segundo lugar, a economia. Planeou uma nova onda de tarifas sobre importações, particularmente em produtos chineses. Sugeriu também uma política de "tarifas recíprocas" para proteger as indústrias americanas de concorrência externa. Analistas indicam que estas tarifas podem vir a aumentar o custo de vida para os consumidores americanos, prejudicando principalmente as famílias de baixo rendimento, agravando também a inflação. Além disso, a sua política fiscal propunha cortes de impostos com detalhes escassos sobre como esses seriam compensados no orçamento federal, colocando em risco o financiamento de programas sociais. (PolitiFact - A guide to Trump's 2nd term promises).
A nível internacional, as políticas externas de Trump vão, provavelmente, exacerbar divisões dentro da Europa, especialmente em questões de segurança e relação com a Rússia. A ausência de um compromisso forte com a NATO, uma das principais alianças de segurança da Europa, será uma das consequências mais fortes da sua presidência.
Se os EUA reduzirem o seu apoio à NATO, como mencionado pelo ex-presidente na sua campanha, a Europa seria forçada a aumentar os seus próprios investimentos em defesa para compensar a falta de garantias de segurança. A União Europeia já começou o processo de integração de capacidades de defesa, mas a ideia de um exército europeu é ainda um tópico politicamente controverso. Muitos países da EU já enfrentam desafios em termos de orçamentos militares limitados e, se houver uma pressão para o aumento de gastos com a defesa, tal pode gerar divisões políticas internas, principalmente em países que priorizam o bem-estar social. (politico.eu).
A implementação de políticas de rearmamento pode também criar divisões sociais significativas. Grupos e partidos políticos de esquerda na Europa podem opor-se veemente a qualquer aumento em despesas militares, argumentando que os recursos deveriam ser direcionados para questões internas.
Partidos de extrema-direita podem aproveitar este desafio político para fortalecer as suas narrativas de alienação do exército e das instituições de segurança. Esses partidos podem procurar usufruir desse cenário de insatisfação com a falta de liderança global ou de apoio à NATO, reforçando o discurso de "autossuficiência nacional" e a procura por uma segurança europeia mais independente.
O impacto potencial da reeleição de Trump pode incluir o fortalecimento da ideia de que os interesses nacionais devem prevalecer sobre a cooperação internacional, algo que ressoaria com muitos eleitores de direita na Europa. Isso, por sua vez, poderia dar mais força a partidos como a Frente Nacional na França, a Alternativa para a Alemanha (Af D) ou o Partido da Liberdade na Áustria, que já utilizam o discurso anti-imigração, a desconfiança nas elites políticas e criticam a UE como um modo de atrair apoio.
Ao longo da história, a política frequentemente entrelaçou se com símbolos e lideranças que representam mais do que apenas uma proposta de governo. Muitas vezes, elas tornam se uma questão de fé para uma parcela significativa da população. Nos Estados Unidos, por exemplo, o movimento em torno de Donald Trump e sua campanha Make America Great Again (MAGA) alcançou proporções que vão além das normas políticas. Ele não apenas representou uma alternativa ao status quo, mas, para muitos, encarnou uma promessa de renovação nacional e moral, particularmente entre os evangélicos e outros grupos conservadores. Esse apoio fervoroso, em muitos casos, foi mais do que uma escolha política, tornou-se uma idolatria, onde Trump foi visto como um salvador da nação e dos seus valores tradicionais.
Os republicanos — especialmente aqueles com forte apoio das comunidades religiosas — têm sido criticados por colocar Trump quase no pedestal de uma figura messiânica. Esse apoio traduz se num voto robusto entre evangélicos que, para muitos, veem em Trump não só uma liderança política, mas uma figura com um destino quase divino para restaurar os valores cristãos nos Estados Unidos. A simbologia por trás do chapéu MAGA e outros elementos visuais associados ao movimento vai além do simples apoio político; eles tornaram-se uma espécie de marca de lealdade inquestionável.
A metáfora da besta em Apocalipse 13 é uma imagem poderosa que descreve um sistema de controlo autoritário e a imposição de uma "marca" — seja na mão ou na testa — como um sinal de submissão à autoridade opressiva. O "falso profeta", que engana as massas e conduz os fiéis a adorar a besta, também é uma figura central nesse cenário apocalíptico. De forma simbólica, essa imagem pode ser aplicada à forma como figuras carismáticas como Trump, com o seu apelo emocional e promessas de restaurar a grandeza nacional, podem enganar e polarizar a população. O movimento MAGA, com as suas promessas de renovação, pode ser visto, metaforicamente, como algo que leva os indivíduos a "receberem a marca" — um sinal público de lealdade a um sistema político que promete uma era de prosperidade, mas que, em muitos casos, também implica uma divisão profunda e uma erosão da democracia.
Assim como o falso profeta em Apocalipse manipula as massas para adorar a besta, líderes políticos que exploram o culto à personalidade podem enfraquecer as instituições democráticas e incitar divisões profundas. A idolatria de um líder pode, eventualmente, desviar o foco das necessidades reais da sociedade e comprometer valores fundamentais como a liberdade e a justiça. O perigo, portanto, é que, ao se submeter à adoração de um único líder, se corre o risco de perder a capacidade crítica necessária para avaliar as consequências das decisões políticas.
A metáfora da marca da besta ensina-nos que a verdadeira grandeza de uma nação não está na adoração cega de um líder, mas na preservação da liberdade e da democracia. As lições do Apocalipse, portanto, não se aplicam apenas a tempos antigos, mas também servem como advertência para que não se perca a vigilância diante do risco de idolatrar políticos que prometem mais do que podem realmente oferecer, conduzindo a nação para uma forma de dominação e controlo disfarçada de redenção.
Gonçalo Brito