O Dilema da Democracia: Devo sacrificar a minha ideologia em nome da democracia?

02-04-2025

Durante quase 51 anos, Portugal demonstrou ser um pilar da democracia, existindo como um testemunho do trinfo do seu povo sobre um governo autoritário. Ainda assim, como um defensor ávido da democracia, encontro-me atacado com uma questão importante: devo abandonar a minha ideologia política de forma a salvaguardar a democracia?

A democracia é mais do que um sistema de governo, é um compromisso coletivo que assumimos em prol do pluralismo e pelo direito de escolha. Mesmo tendo isto em consideração, somente em 28 destes 51 anos foram marcados com administrações que completaram o seu mandato. Os restantes 23 foram marcados por instabilidade política, resignações, dissoluções e crises. Será que esta instabilidade é um sinal de um problema mais profundo? Será correto recorrer ao abandono do próprio visando os interesses do coletivo?

É importante ter em mente que uma ideologia política não é meramente uma coleção abstrata de princípios, é sim um quadro estrutural através do qual interpretamos a justiça, o governo e o progresso social. Abandoná-la significa render os valores que definem as nossas convicções. Mas quando a própria democracia parece frágil, quando o populismo, polarizações e ameaças externas põem em causa a sua base, devemos priorizar a sua preservação em detrimento da pureza ideológica? Se a preservação da democracia implica que me alinhe com líderes e políticas que contradizem as minhas crenças, ainda sou um democrata, ou tornei-me num mero pragmatista?

Historiadores, ao longo da história, avisaram-nos de tais dilemas. A erosão das normas democratas normalmente originam com indivíduos repletos de boas intenções, que fazem conceções em nome da estabilidade, acreditando que estão a proteger o bem comum e o futuro. De boas intenções está o inferno cheio, não é verdade? Não obstante, a verdadeira democracia evolui não por compromissos relutantes com tendências autoritárias, mas sim com resiliência, debate e luta. E ainda assim, mantenho-me dividido. É possível sacrificar a minha ideologia política pela longevidade da democracia? Ou devo curvar-me aos ventos da necessidade, aceitando que, às vezes, proteger o próprio sistema exige concessões dolorosas?

Por agora, escolho acreditar que a democracia se torna mais forte quando os seus defensores se mantêm convictos em si mesmos, e nos demais membros da sociedade. Abandonar a minha ideologia em nome da democracia seria, exatamente, o fator que lhe roubaria todo e qualquer valor. Se a história alguma vez nos ensinou alguma coisa, foi que as democracias não caem de um dia para o outro. Elas desaparecem lentamente, com cada justificação, com cada compromisso, cada passo cada vez mais longe do princípio.

O desafio, então, não é se devo abandonar a minha ideologia para proteger a democracia. O desafio é se tenho coragem para proteger ambas, mesmo quando o futuro se apresenta como incerto. 

Gonçalo Brito

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