Hasan Piker: Uma Nova Voz da Esquerda Americana

No tempo em que vivemos, o consumo de informação e entretenimento sofreu alterações profundas, especialmente entre as gerações mais jovens. As plataformas tradicionais, como a televisão e a rádio, estão a perder relevância face a formatos mais interativos e personalizados, como os streams em direto na Twitch, os vídeos curtos no TikTok e os conteúdos produzidos no YouTube ou Instagram. Estes novos media não se limitam a entreter: são hoje verdadeiras arenas de debate político, formação de opinião e mobilização social.
De facto, a realidade portuguesa confirma essa tendência. De acordo com o projeto YouNDigital, desenvolvido pela Universidade Lusófona, as redes sociais tornaram-se a principal fonte de informação para os jovens em Portugal. O estudo, publicado em março de 2024, identificou que muitos jovens consideram as notícias tradicionais "tendenciosas" e "aborrecidas", sobretudo no que toca à política. Em vez disso, preferem seguir criadores de conteúdo nas redes sociais, que oferecem uma abordagem mais direta, visualmente apelativa e, sobretudo, menos institucionalizada da informação. Já não se trata apenas de assistir a um telejornal à hora marcada, mas de interagir em tempo real com criadores de conteúdo que combinam comentário político com videojogos, memes e conversas informais com a audiência. Esta nova forma de comunicar permitiu o surgimento de novas vozes políticas — entre elas, destaco Hassan Piker.
Conhecido online como HasanAbi, Hassan Piker é um streamer e comentador político norte-americano de origem turca, que se tornou uma das figuras mais influentes da esquerda progressista nos Estados Unidos. Ex-produtor e apresentador do canal The Young Turks, começou a ganhar notoriedade pelas suas análises acessíveis, provocadoras e incisivas, sobretudo durante o auge do trumpismo.
Desde o início, posicionou-se como um apoiante convicto de Bernie Sanders e Alexandria Ocasio-Cortez (AOC), alinhando-se com os ideais do movimento progressista: acesso universal à saúde, ensino superior gratuito, políticas ambientais ambiciosas e uma distribuição mais justa da riqueza.
O formato dos seus streams assemelha-se, em muitos aspetos, ao de uma estação de rádio contemporânea: transmite quase diariamente, por vezes durante mais de seis horas seguidas, com uma audiência fiel e participativa. Durante as suas emissões, Piker comenta as notícias do dia, reage a vídeos, debate com outros criadores e mantém uma relação constante com o público através do chat em direto. Esta cadência quase radiofónica, aliada a uma linguagem direta, informal e visualmente apelativa, permite-lhe atingir milhões de espectadores espalhados por diferentes plataformas, principalmente durante momentos de grande relevância política — como aconteceu nas eleições presidenciais americanas, quando os seus streams bateram recordes de audiência na Twitch.
O estilo de Piker não é inovador apenas pelo conteúdo, mas sobretudo pela forma como gere a sua plataforma e comunica com a sua comunidade. Numa plataforma onde o "chat" pode facilmente tornar-se um espaço de hostilidade, Piker desarma o ódio dirigido a si — incluindo ataques racistas ou xenófobos — e transforma-o em ferramenta pedagógica e comunicacional, expondo exemplos de desinformação ou intolerância e contrariando-os em direto, com argumentação e humor.
Descobri HasanAbi durante o período pandémico, numa fase em que não me identificava particularmente com muitas das suas posições. No entanto, fui imediatamente cativado pelo seu estilo e pela forma como comunicava. Inspirou-me a desenvolver aspirações jornalísticas próprias, sobretudo pela sua capacidade de manter uma posição crítica e independente, sem se submeter a partidos ou linhas editoriais institucionais.
Mais do que um criador de conteúdos, Hassan Piker tornou-se um mediador político num espaço onde os media tradicionais já não conseguem captar a atenção das novas gerações. Num momento em que as instituições jornalísticas enfrentam crises de confiança e de relevância, figuras como Piker preenchem esse vazio com formatos alternativos, criando comunidades digitais que se sentem representadas, ouvidas e politicamente envolvidas.
Adriano Ribeiro