Harmonia existencial

"Um ponto
importante da arte de viver consiste na proporção correta em que dedicamos a
nossa atenção em parte ao presente, em parte ao futuro, para que não nos
estrague o outro. Muitos vivem demasiado no presente: as pessoas levianas,
outros, demasiado no futuro: as pessoas angustiadas e preocupadas. É raro que
alguém observar a justa proporção. Em vez de andarmos ocupados exclusiva e
perpetuamente com planos e preocupações para o futuro, ou nos entregamos a
saudade do passado, não nos deveríamos esquecer que só o presente é real e só
ele é certo."
"Aforismos para a arte de viver", Arthur Schopenhauer
Como viver é um desafio. Existe uma preocupação constante com o balanço da vida, sobre como devemos focar a nossa atenção, pois existem diversas repercussões caso tal não seja feita de forma ponderada. É através da busca deste equilíbrio que nós, como seres humanos, encontramos talvez, paz interior, sucesso e acima de tudo, felicidade. Esta é minha definição de viver, priorizar ao longo dos anos estes três grandes pilares. Contudo, como referi anteriormente, viver é um desafio e assegurar estes valores constantemente é praticamente impossível. Neste excerto, Arthur Schopenhauer fala-nos da preocupação em demasia com o passado e o futuro e como esta previne que consigamos viver no presente, algo com o qual tendo a concordar.
O passado é
a nossa história e é dele que retiramos os elementos que nos definem. Devemos
sempre lembrarmo-nos daquilo que outrora fomos e daí retirar lições que nos
guiem no futuro, sem que nele nos percamos. Para mim, o conceito define-se como
uma espécie de biografia individual e coletiva, documentando a nossa evolução
ao longo do tempo, existindo apenas nas memórias de cada um. Pode ser uma forte
ferramenta de aprendizagem, usada para nos melhorarmos dia após dia.
Apesar desta definição um pouco utópica, o passado pode também ser visto como
uma prisão difícil de escapar. Por vezes, não conseguimos quebrar as correntes
que este tem sobre nós, impedindo o nosso florescimento. Um exemplo prático
seria, por exemplo, alguém que falha numa qualquer tarefa. O sentimento que daí
surge pode acabar por consumir a pessoa, dificultando que esta ultrapasse esse
obstáculo. Como quem diz tarefas, o mesmo é aplicável a relações, situações
profissionais, entre outros.
Sou um grande fã de analogias, por isso darei uma de forma a concretizar o meu
ponto. Imaginemos que a vida é um longo
corredor com várias portas. Segundo a lógica, devemos avançar pelo mesmo, de
forma progressiva, abrindo as portas ao longo do caminho. Cada porta marca uma
etapa nas nossas vidas, e com estas vêm aprendizagens. Todavia, se não tivermos
a capacidade de aprender com cada etapa, eventualmente vamos encontrar uma
porta giratória. Ficaremos presos, no mesmo lugar, por tempo indeterminado e
assim, estagnamos no tempo.
O futuro é o
tesouro que todos procuram assegurar. Ao contrário dos contos de piratas da
nossa infância, este não está marcado com um x numa praia paradisíaca, tal como
não existem instruções sobre como lá chegar. O mais assustador é o facto de ser
incerto, se alguma vez o vamos alcançar ou não. Todos temos sonhos, objetivos e
ideias para aquilo que um dia virá, mas apesar disso, nunca as alcançaremos se
não fizermos por elas.
As decisões que tomamos hoje definirão aquilo que seremos amanhã, o que leva,
tal como diz o autor, à criação de pessoas angustiados e preocupadas.
Com isto não procuro passar a ideia de que não nos devemos preocupar com o
futuro, é óbvio que sim, contudo, pretendo apenas dizer que, muitas das vezes,
as pessoas não fazem uma reflexão ponderada dos sacrifícios feitos ao longo do
caminho.
À semelhança de muitos, procuro um dia ser grande na área por mim escolhida, ser
um bom amigo, companheiro e resumidamente, ter sucesso em todas as áreas que a
vida me proporciona. Se tenciono ser um bom profissional preciso de me dedicar
aos estudos, ser um estudante dedicado e participativo. Porém, não posso
abdicar da minha vida universitária, dos meus amigos, família e projetos. Se o
fizer, posso um dia vir a tornar-me uma pessoa frustrada, que passaria os seus
dias a perguntar-se si mesmo se teria valido a pena, como seria a vida se
tivesse feito as coisas de outra forma. Se me preocupar em demasia com o
futuro, quantas oportunidades e experiências perderei?
Voltando à analogia previamente dada, se me encontrar na porta número seis
focado apenas na porta número dez, um dia irei sofrer as consequências das
minhas próprias escolhas e, as decisões que tomei em prol do meu futuro
levar-me-ão a arrepender-me do meu passado.
Concluo aqui
que o passado e o futuro formam uma "espada de dois gumes", onde a dificuldade
de desapego com o passado afeta o futuro e que, a preocupação excessiva com o
futuro virá a afetar o passado. Aqui chegados, o desfecho final seria viver no
presente. Viver um dia de cada vez, levando assim a vida de forma tranquila,
correto? Penso que não.
O presente é um conceito interessante e complicado. É curto em relação aos
outros e mesmo assim é onde surgem as preocupações com o passado e o futuro. Penso
que todos temos a dificuldade em viver no agora, em saber aproveitar os
pequenos momentos, em esquecer o que foi e o que vem. Schopenhauer
diz-nos que viver em demasia no presente cria pessoas levianas, despreocupadas
que, para quem vê de fora, são as que melhor aproveitam a vida, as que
aperfeiçoaram a "arte de viver", mas não para mim, pois problemas surgirão
eventualmente. Se não aprendermos com o passado e se não nos focarmos no
futuro encontrar-nos-emos novamente na porta giratória, sem rumo. Não nos
podemos manter assim para sempre pois a vida exigirá coisas de nós,
forçando-nos a sair do lugar. Quando esse momento chegar, qual será desfecho
das pessoas levianas?
Temos de aprender com o passado, de forma a tomar
decisões conscientes no presente, levando assim a um futuro sem
arrependimentos. O passado é a lição, o futuro a resultado e o presente o
teste, contudo, não podemos esquecermo-nos nunca do agora, pois assim que os
momentos passam, nunca mais voltam. Do que vale lembrarmo-nos da passagem da
porta três e quatro se não vivemos esse intervalo? Para mim, este balanço
assegurará aquilo que para mim é a vida.
O passado é história, o futuro um mistério, mas o hoje é uma prenda, é por isso
que se chama presente.
Gonçalo Brito