Lançamentos Semanais

Harmonia existencial

11-01-2024

"Um ponto importante da arte de viver consiste na proporção correta em que dedicamos a nossa atenção em parte ao presente, em parte ao futuro, para que não nos estrague o outro. Muitos vivem demasiado no presente: as pessoas levianas, outros, demasiado no futuro: as pessoas angustiadas e preocupadas. É raro que alguém observar a justa proporção. Em vez de andarmos ocupados exclusiva e perpetuamente com planos e preocupações para o futuro, ou nos entregamos a saudade do passado, não nos deveríamos esquecer que só o presente é real e só ele é certo."
"Aforismos para a arte de viver", Arthur Schopenhauer

Como viver é um desafio. Existe uma preocupação constante com o balanço da vida, sobre como devemos focar a nossa atenção, pois existem diversas repercussões caso tal não seja feita de forma ponderada. É através da busca deste equilíbrio que nós, como seres humanos, encontramos talvez, paz interior, sucesso e acima de tudo, felicidade. Esta é minha definição de viver, priorizar ao longo dos anos estes três grandes pilares. Contudo, como referi anteriormente, viver é um desafio e assegurar estes valores constantemente é praticamente impossível. Neste excerto, Arthur Schopenhauer fala-nos da preocupação em demasia com o passado e o futuro e como esta previne que consigamos viver no presente, algo com o qual tendo a concordar.

O passado é a nossa história e é dele que retiramos os elementos que nos definem. Devemos sempre lembrarmo-nos daquilo que outrora fomos e daí retirar lições que nos guiem no futuro, sem que nele nos percamos. Para mim, o conceito define-se como uma espécie de biografia individual e coletiva, documentando a nossa evolução ao longo do tempo, existindo apenas nas memórias de cada um. Pode ser uma forte ferramenta de aprendizagem, usada para nos melhorarmos dia após dia.
Apesar desta definição um pouco utópica, o passado pode também ser visto como uma prisão difícil de escapar. Por vezes, não conseguimos quebrar as correntes que este tem sobre nós, impedindo o nosso florescimento. Um exemplo prático seria, por exemplo, alguém que falha numa qualquer tarefa. O sentimento que daí surge pode acabar por consumir a pessoa, dificultando que esta ultrapasse esse obstáculo. Como quem diz tarefas, o mesmo é aplicável a relações, situações profissionais, entre outros.
Sou um grande fã de analogias, por isso darei uma de forma a concretizar o meu ponto. Imaginemos que a vida é um longo corredor com várias portas. Segundo a lógica, devemos avançar pelo mesmo, de forma progressiva, abrindo as portas ao longo do caminho. Cada porta marca uma etapa nas nossas vidas, e com estas vêm aprendizagens. Todavia, se não tivermos a capacidade de aprender com cada etapa, eventualmente vamos encontrar uma porta giratória. Ficaremos presos, no mesmo lugar, por tempo indeterminado e assim, estagnamos no tempo.

O futuro é o tesouro que todos procuram assegurar. Ao contrário dos contos de piratas da nossa infância, este não está marcado com um x numa praia paradisíaca, tal como não existem instruções sobre como lá chegar. O mais assustador é o facto de ser incerto, se alguma vez o vamos alcançar ou não. Todos temos sonhos, objetivos e ideias para aquilo que um dia virá, mas apesar disso, nunca as alcançaremos se não fizermos por elas.
As decisões que tomamos hoje definirão aquilo que seremos amanhã, o que leva, tal como diz o autor, à criação de pessoas angustiados e preocupadas.
Com isto não procuro passar a ideia de que não nos devemos preocupar com o futuro, é óbvio que sim, contudo, pretendo apenas dizer que, muitas das vezes, as pessoas não fazem uma reflexão ponderada dos sacrifícios feitos ao longo do caminho.
À semelhança de muitos, procuro um dia ser grande na área por mim escolhida, ser um bom amigo, companheiro e resumidamente, ter sucesso em todas as áreas que a vida me proporciona. Se tenciono ser um bom profissional preciso de me dedicar aos estudos, ser um estudante dedicado e participativo. Porém, não posso abdicar da minha vida universitária, dos meus amigos, família e projetos. Se o fizer, posso um dia vir a tornar-me uma pessoa frustrada, que passaria os seus dias a perguntar-se si mesmo se teria valido a pena, como seria a vida se tivesse feito as coisas de outra forma. Se me preocupar em demasia com o futuro, quantas oportunidades e experiências perderei?
Voltando à analogia previamente dada, se me encontrar na porta número seis focado apenas na porta número dez, um dia irei sofrer as consequências das minhas próprias escolhas e, as decisões que tomei em prol do meu futuro levar-me-ão a arrepender-me do meu passado.

Concluo aqui que o passado e o futuro formam uma "espada de dois gumes", onde a dificuldade de desapego com o passado afeta o futuro e que, a preocupação excessiva com o futuro virá a afetar o passado. Aqui chegados, o desfecho final seria viver no presente. Viver um dia de cada vez, levando assim a vida de forma tranquila, correto? Penso que não.
O presente é um conceito interessante e complicado. É curto em relação aos outros e mesmo assim é onde surgem as preocupações com o passado e o futuro. Penso que todos temos a dificuldade em viver no agora, em saber aproveitar os pequenos momentos, em esquecer o que foi e o que vem. Schopenhauer diz-nos que viver em demasia no presente cria pessoas levianas, despreocupadas que, para quem vê de fora, são as que melhor aproveitam a vida, as que aperfeiçoaram a "arte de viver", mas não para mim, pois problemas surgirão eventualmente. Se não aprendermos com o passado e se não nos focarmos no futuro encontrar-nos-emos novamente na porta giratória, sem rumo. Não nos podemos manter assim para sempre pois a vida exigirá coisas de nós, forçando-nos a sair do lugar. Quando esse momento chegar, qual será desfecho das pessoas levianas?

Temos de aprender com o passado, de forma a tomar decisões conscientes no presente, levando assim a um futuro sem arrependimentos. O passado é a lição, o futuro a resultado e o presente o teste, contudo, não podemos esquecermo-nos nunca do agora, pois assim que os momentos passam, nunca mais voltam. Do que vale lembrarmo-nos da passagem da porta três e quatro se não vivemos esse intervalo? Para mim, este balanço assegurará aquilo que para mim é a vida.
O passado é história, o futuro um mistério, mas o hoje é uma prenda, é por isso que se chama presente.

Gonçalo Brito

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