Crise política em Portugal: uma velha nova conhecida

Portugal encontra-se novamente submerso numa crise política, no que poderá ser a extensão de um intervalo de tempo conturbado na política portuguesa ou a possibilidade do surgimento de novas oportunidades e cenários.
O país não é estranho ao conceito de crise política, que antecedeu a Revolução do 25 de Abril de 1974 e a subsequente instauração da considerada democracia moderna, estando presente em diversas fases cruciais da história portuguesa. Desta vez, deparamo-nos com o término da XVI Legislatura da Assembleia da República Portuguesa e do XXIV Governo Constitucional da República Portuguesa, liderado pelo Primeiro-Ministro Luís Montenegro da coligação Aliança Democrática (AD), constituída pelo PPD/PSD, CDS-PP e PPM, que mantinha uma maioria relativa.
A atual crise originou-se fundamentalmente relacionada com a empresa familiar de consultoria fundada pelo Primeiro-Ministro, a Spinumviva, Lda, e o possível conflito de interesses com o grupo português Solverde, ligado à atividade de casino e hotelaria, com a Spinumviva a receber contratualmente da Solverde uma avença mensal de valor substancial, até que as proporções da situação levaram ao encerramento do contrato no presente mês.
É alegado que Luís Montenegro, com o negócio no interior do agregado familiar e, principalmente, por estar no posto mais elevado do governo, cometeu uma transgressão da obrigação legal da exclusividade, ou seja, o descumprimento da garantia da exclusividade e do dever de um cargo político e público quanto a interesses privados que criem conflitos de interesse, direta ou indiretamente.
A responsabilização desta crise aparenta recair sobre os ombros do Primeiro-Ministro, ficando uma imagem de falta de transparência plena, que sugere uma vulnerabilização da sua posição e credibilidade política. Soma-se também a fragilidade política vivida relativamente às circunstâncias parlamentares e panoramas temáticos vigentes, e outras controvérsias, polémicas e casos associados a deputados e ao governo.
Após duas moções de censura chumbadas no parlamento – uma apresentada pelo CHEGA e outra pelo PCP – e, decisivamente, uma moção de confiança chumbada, o Presidente da República Portuguesa, Marcelo Rebelo de Sousa, no âmbito dos seus poderes e depois de ouvir os partidos e o Conselho de Estado, decidiu dissolver a Assembleia e marcar eleições legislativas para o dia 18 de Maio.
Tendo a sua vigência no cargo começado em 2016 e com dois mandatos consecutivos conquistados, o Presidente Marcelo dissolveu a Assembleia da República três vezes, estas ocorrendo durante os últimos quatro anos, a última a datar de 2023, posteriormente ao pedido de demissão do ex-Primeiro-Ministro António Costa após suspeitas referentes à Operação Influencer, um caso ainda sob investigação à data.
Consoante o disposto no n.º 1 do artigo 172.º da Constituição da República Portuguesa, o Presidente da República perde o poder de dissolução da Assembleia seis meses antes do seu mandato terminar. Com as eleições presidenciais portuguesas agendadas para o início de 2026, o próximo governo irá dispor de uma «carta branca» para evitar levar com a «bomba atómica», termo utilizado para dissoluções, por parte do Presidente.
A população portuguesa contempla o que parece ser uma banalização de crises políticas, o que contribui para um desgaste político, possível aumento do abstencionismo e a possível tradução na perda de confiança nos partidos que detêm, presentemente, maior representação no parlamento, ou até todos com assento parlamentar, enquanto abriria um caminho de oportunidades para outros partidos serem vistos como soluções, até mesmo os sem assento parlamentar. Poderia também contribuir para uma futura rejeição do sistema em vigor, o que levaria ao aparecimento de novos agentes, novas forças sociais ou políticas e novos cenários. Ou, pode simplesmente permanecer o “mesmo do costume”, que infelizmente já habituou os portugueses, em que se adicionam alguns remendos e se espera apenas chegar ao próximo ato eleitoral.
O quadro político português e internacional constata-se com uma imprevisibilidade não só a médio e longo prazo, mas também a curto prazo. Observaremos os desenvolvimentos das campanhas legislativas e o que se adivinhará para a próxima legislatura, assim como os olhos europeus e internacionais estarão atentos.
Como cidadãos, eleitores e, sobretudo, seres humanos, individual e coletivamente, nunca devemos esquecer que possuímos a possibilidade de gerar ventos de mudança com as nossas palavras e ações, que não só afetam o presente e o local que habitamos, mas também afetarão as gerações vindouras e o planeta.
O status quo, com as múltiplas fissuras que se têm gradualmente formado e alargado neste, corre o risco de ser abruptamente quebrado, deixando a ambiguidade a pairar sobre quem e o que se seguiria. As crises políticas, apesar da sua volatilidade e consequências, permitem repensar trajetos e soluções.
Hugo Costa