Classe Média e a Crise na Habitação: Desafios e Perspetivas
No último sábado, 30 de setembro de 2023, testemunhamos manifestações em 24 cidades portuguesas em resposta à crise habitacional. Os manifestantes exigem nada menos do que o direito a uma habitação digna e instam o governo de António Costa a encontrar soluções para esse problema premente.
O contexto atual é marcado pela constante elevação das taxas de juro e pela média salarial relativamente baixa em Portugal. Isso ajuda a compreender o motivo pelo qual essas manifestações atraíram uma significativa participação da população jovem. Para entendermos o funcionamento do mercado imobiliário, consideremos um exemplo simplificado. Imagine que desejamos adquirir uma propriedade no valor de 100.000 euros. Além de todos os trâmites burocráticos habituais, precisaríamos de disponibilizar antecipadamente 10% do valor, ou seja, 10.000 euros ao banco.
No entanto, quando olhamos para a realidade portuguesa, onde o salário mínimo ronda os 760 euros e menos de metade da população ganha mais de 1000 euros por mês, a capacidade de poupança para a compra de uma casa torna-se extremamente desafiante. Um exemplo concreto pode ser observado na cidade do Porto, onde o preço por metro quadrado ronda os 2.457 euros, de acordo com o "Jornal Idealista". Segundo informações do site dinheirovivo.pt em 2022, casas com uma área de 75 a 90 metros quadrados representaram 13% da oferta de imóveis à venda em território nacional (tamanho mais comum). Dessa forma, uma casa de 80 metros quadrados na cidade do Porto custaria 196.560 euros, o que exigiria que um cidadão tivesse poupado aproximadamente 20.000 euros para a aquisição do imóvel. Considerando um cidadão que ganhe cerca de 1000 euros líquidos e consiga, de alguma forma, poupar metade do seu salário, 500 euros por mês, seriam necessários mais de 4 anos de economia para que a compra se tornasse viável.
É crucial ressaltar que esse é apenas o
"primeiro" passo. Devido à crise económica global, as taxas de juro
têm vindo a aumentar exponencialmente, o que agrava ainda mais a situação. O
gráfico em seguida representa o aumento das taxas de juro desde julho de 2018
(retirado do site Banco de Portugal):

A necessidade de mobiliar a casa, cobrir despesas mensais, pagar contas associadas ao uso da habitação, potenciais custos de transporte e, naturalmente, a busca pelo lazer, que é parte importante da vida, acrescem aos desafios financeiros.
A 31 de julho de 2023, o jornal britânico "The Guardian" acusou e criticou o governo de António Costa por distorcer o mercado imobiliário português na tentativa de atrair investimento estrangeiro. O artigo tornou-se um dos mais lidos na Inglaterra neste ano. O principal ponto de venda do artigo foi o alerta emitido pela ONU em 2017 sobre os efeitos prejudiciais da "turistificação desenfreada" no direito à habitação dos cidadãos portugueses, bem como na degradação das condições de vida.
Agustín Cocola-Gant, investigador do Instituto de Geografia e Ordenamento do Território da Universidade de Lisboa, descreveu essa situação como algo que afeta transversalmente todos os cidadãos, não se limitando apenas à população vulnerável.
Estes desafios que se abatem sobre a sociedade em geral podem ser compreendidos, em parte, através das contribuições do economista britânico e professor de "Desenvolvimento Económico" na School of Oriental and African Studies (SOAS) da Universidade de Londres, Guy Standing. O autor destacou-se ao introduzir o conceito "precário" à chamada "classe média". Standing argumentou que a classe média nos países ocidentais era algo "passageiro" e que estava condenada a enfraquecer-se devido a vários fatores, incluindo as mudanças na economia global, como as decorrentes da Guerra Russo-Ucraniana, e o aumento da desigualdade de renda e riqueza.
Nos seus estudos, Standing desenvolveu a ideia da Renda Básica Universal, um programa que visa proporcionar segurança económica aos cidadãos num mercado de trabalho volátil, garantindo um pagamento regular do governo, independentemente da situação de emprego. A viabilidade dessa solução permanece em debate. No entanto, nos dias que decorrem, a decadência da classe média torna-se cada vez mais um assunto de importância na discussão política e sociológica.
Aquelas que para já são as propostas do governo para o projeto "Mais Habitação" são a limitação à subida da renda dos novos contratos, dedução do IMI familiar, redução de 28% para 25% da taxa especial de IRS sobre rendas, arrendamento forçado de casas devolutas, impenhorabilidade do apoio à renda ou juros bonificados, entre muitas outras. Aquelas que considero mais importantes são o programa de 250 milhões de euros para habitação a custos controladosque prevê a aprovação de uma linha de crédito, com garantia mútua e bonificação da taxa de juro, para projetos de habitação acessível, nomeadamente construção ou reabilitação e para aquisição do imóvel, tendo este de ser colocado no mercado de arrendamento, e uma linha de 150 milhões de euros para municípios realizarem obras coercivas, através do Banco Português de Fomento, reforçando assim o cumprimento das prerrogativas das autarquias no âmbito do Regime Jurídico da Urbanização e Edificação.
Temos de, ainda que frustrados, aguardar para ver qual será o verdadeiro
impacto destas medidas e quais as mudanças trazidas pelas mesmas para a nossa
sociedade. Temos de aguardar pelo novo Orçamento de Estado para ver também qual
será o valor orientado para a habitação em Portugal.
Gonçalo Brito