A Persistência da Escravidão Moderna: Uma Denúncia Urgente

25-03-2024

Apesar dos avanços históricos na abolição da escravidão, o flagelo da escravidão moderna continua a assombrar o mundo contemporâneo, desafiando os valores fundamentais de liberdade e dignidade humana. É uma afronta inaceitável à consciência global e um testemunho deprimente da falha da humanidade em proteger os seus semelhantes. Não podemos mais aguentar este silêncio diante tamanha injustiça. Em vez disso, reclamamos uma ação imediata e preparada para enfrentar esse crime abominável contra a humanidade.

Estudos recentes de académicos renomados nesta área, como Kevin Bales e Siddharth Kara, destacaram a persistência alarmante da escravidão moderna em todas as suas formas. Bales, no seu livro "Disposable People: New Slavery in the Global Economy" (Pessoas Descartáveis: A nova escravidão da Economia Global), expõe como a escravidão moderna é intrinsecamente ligada à economia globalizada.

Ele destaca que a demanda por trabalho barato em diversos setores económicos, como agricultura, construção e indústria têxtil, impulsiona a exploração de pessoas vulneráveis. Esta demanda leva à busca de mão de obra barata, muitas vezes resultando em condições de trabalho degradantes e práticas semelhantes à escravidão.

Além disso, as cadeias de suplementos globais, cada vez mais complexas e difíceis de rastrear, contribuem para a perpetuação da escravidão moderna. Empresas podem "terceirizar" a produção para regiões onde as leis trabalhistas são menos rigorosas, facilitando a exploração de trabalhadores. Tal cria um ambiente propício para a exploração, pois os consumidores muitas vezes não estão cientes das condições sob as quais os produtos que compram são fabricados.

Bales também destaca que o lucro é um fator central na perpetuação da escravidão moderna. A busca incessante por lucro e eficiência económica muitas vezes leva os empregadores a explorar os trabalhadores, ignorando os direitos humanos básicos em troca de maiores ganhos financeiros.

Siddharth Kara, em "Sex Trafficking: Inside the Business of Modern Slavery" (Tráfico Sexual: Dentro do Negócio da Escravatura Moderna), revela a luz sobre a exploração sexual e o tráfico humano.
Kara descreve o tráfico sexual como uma forma particularmente traiçoeira de exploração humana, na qual as vítimas são frequentemente forçadas a envolverem-se em atividades sexuais comerciais contra a sua vontade.

Destaca que o tráfico sexual é alimentado por uma variedade de fatores, incluindo desigualdades económicas, vulnerabilidade social, falta de oportunidades, discriminação de género e falhas nos sistemas legais e de aplicação da lei. Kara ressalta que as vítimas de tráfico sexual são frequentemente recrutadas sob falsas promessas de emprego, casamento ou oportunidades de educação, apenas para serem coagidas ou enganadas em situações de exploração sexual.

Além disso, destaca que o tráfico sexual muitas vezes ocorre em locais clandestinos, como bordeis, casas de prostituição, clubes noturnos e até mesmo online, tornando cada vez mais difícil para as autoridades identificarem e resgatarem as vítimas.

Kara enfatiza também a necessidade de uma abordagem abrangente para combater o tráfico sexual, que inclua medidas de prevenção, proteção de vítimas e aplicação rigorosa da lei contra os traficantes e aqueles que lucram com a exploração sexual de outras pessoas. Marca a importância de consciencializar o público sobre os riscos e consequências do tráfico sexual e de trabalhar em colaboração com várias partes interessadas, incluindo governos, ONGs (Organizações Não Governamentais), agências de aplicação da lei e comunidades locais, para combater eficazmente essa forma de exploração humana.

Um caso concreto chocante é o do navio de pesca taiwanês "Zi Da Wang", onde trabalhadores emigrantes foram submetidos a condições de trabalho desumanas, incluindo horários de trabalho exaustivos e abusos físicos, conforme documentado em detalhe, pela Organização Internacional para as Migrações (OIM) no seu relatório de 2023, e pela organização Greenpeace. Os trabalhadores eram virtualmente mantidos como escravos, incapazes de escapar da exploração implacável imposta pelos seus empregadores.

Outro caso preocupante é o da indústria do vestuário em Bangladesh, onde a exploração de trabalhadores é desenfreada. Um estudo recente conduzido por Mohammad et al. (2022) revelou que muitos trabalhadores são submetidos a horários de trabalho extenuantes, salários irrisórios e condições de trabalho perigosas. Muitos deles são vítimas de dívidas por causa das taxas exorbitantes cobradas pelos recrutadores, prendendo-os num ciclo de exploração.

Além disso, um estudo da Organização Internacional do Trabalho (OIT) sobre o tráfico humano na América Latina destacou o caso de uma rede de prostituição infantil em El Salvador, onde meninas tão jovens quanto 12 anos são traficadas e forçadas à exploração sexual (OIT, 2021).
Crianças e adolescentes são particularmente vulneráveis e podem ser traficados para a prostituição infantil, pornografia e outras formas de exploração sexual comercial. Redes criminosas muitas vezes aproveitam-se de fatores como a pobreza, a falta de oportunidades económicas, da instabilidade política e de outros fatores para recrutar vítimas e facilitar o tráfico humano na região. Um outro caso de tráfico humano na América Latina é o caso conhecido como "Caso das Meninas de Guarus", ocorrido no Brasil. Este caso ganhou grande atenção em 2016, quando uma rede de tráfico humano que operava em Campos dos Goytacazes, no Norte Fluminense, foi desmantelada.

A operação para desmantelar essa rede criminosa envolveu investigações coordenadas entre a polícia, o Ministério Público e outras autoridades. Durante a operação, diversos locais de exploração sexual foram fechados e vários traficantes foram presos.

A servidão por dívida é outra forma insidiosa de escravidão moderna que aprisiona inúmeros indivíduos num ciclo interminável de exploração e opressão. Trabalhadores emigrantes, muitas vezes em busca de uma vida melhor são frequentemente enganados por promessas vazias e acabam presos a dívidas impagáveis, tornando-se vulneráveis à exploração e abuso por parte de empregadores sem escrúpulos. Estudos realizados pelo Centro Internacional de Investigação sobre Trabalho Infantil (ILO-IPEC) e pela Organização Internacional para as Migrações (OIM) destacaram a vulnerabilidade desses trabalhadores migrantes.

Está na hora de uma ação decisiva e determinada para erradicar a escravidão moderna em todas as suas formas. Governos, organizações internacionais, sociedade civil e setor privado devem unir forças para enfrentar esse crime hediondo com a urgência e a seriedade que merece. Iniciativas de consciencialização pública, fortalecimento da legislação, proteção das vítimas e punição dos culpados são passos essenciais nessa jornada rumo à justiça e à liberdade.

A persistência da escravidão moderna no mundo é intolerável e representa uma séria violação dos direitos humanos fundamentais. Esta prática é uma mancha inaceitável na consciência coletiva de todos, refletindo uma clara transgressão contra a dignidade humana. É crucial que denunciemos veementemente essa realidade e tomemos medidas decisivas para erradicar esse crime repugnante, garantindo assim a proteção dos direitos e da liberdade de todos os indivíduos.

Diante da existência contínua da escravidão moderna, sentimos profundo pesar e empatia pelas vítimas dessa injustiça. É imperativo reconhecer o sofrimento infligido e a urgência de uma resposta robusta e coordenada para enfrentar essa terrível realidade. Devemos unir as nossas vozes em repúdio à exploração e à opressão, comprometendo-nos firmemente em defender os direitos e a liberdade de cada ser humano.


Zi Da Wang

https://www.greenpeace.org/usa/news/nine-people-indicted-for-abusing-crew-members-on-taiwan-owned-fishing-vessel-greenpeace-response/

Indústria têxtil de Bangladesh

https://www.emerald.com/insight/content/doi/10.1108/IJLM-12-2021-0565/full/htmlEl Salvador
https://www.tandfonline.com/doi/abs/10.1080/23322705.2020.1719343

Caso das Meninas de Guarus

https://g1.globo.com/rj/norte-fluminense/noticia/2016/06/mandados-de-prisao-sao-cumpridos-no-caso-meninas-de-guarus.html


Gonçalo Brito

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