A marginalização dos cientistas portugueses: retrato de injustiça e desvalorização

02-12-2024

Num mundo onde a ciência avança de maneira acelerada, seria mais que lógico imaginar que todas as nações, independentemente do seu tamanho ou relevância geopolítica, valorizassem e celebrassem as suas mentes mais brilhantes. Contudo, a realidade para muitos cientistas portugueses, tanto dentro como fora do país, é de frustração, negligência e com um sentimento profundo de sub-apreciação.

Portugal tem uma longa história de contribuições para a ciência, muitas vezes esquecida ou ofuscada por narrativas dominantes. Nomes como António Egas Moniz, Prémio Nobel da Medicina em 1949, são frequentemente citados como exceções em vez de exemplos do potencial científico do país. Nos dias que correm, apesar do aumento do número de publicações científicas e de projetos inovadores desenvolvidos por investigadores portugueses, o apoio estrutural e a valorização social continuam abaixo do esperado. Segundo dados recentes, Portugal está entre os países da União Europeia (UE) que menos investe em investigação e desenvolvimento (I&D) como percentagem do PIB. Esta realidade não limita apenas os recursos disponíveis para projetos científicos, mas também impacta diretamente a perceção pública do valor da ciência, criando um ciclo de desmoralização e fuga de talentos.

A marginalização dos cientistas portugueses é sustentada por dados que reforçam a urgência de mudanças estruturais. Portugal, em 2023, investiu 1,7% do PIB em I&D, um valor inferior à média da UE, que é cerca de 2,3%. A meta para 2025 é atingir 1,9%, mas continua distante do ideal de 3% projetado para 2030, considerado ideal para no contexto europeu e global (Dados retirados do orçamento de Estado e dos objetivos governamentais para a ciência em Portugal).

Além disso, a distribuição desse financiamento é desigual. Empresas privadas concentram 63% dos investimentos em I&D, enquanto universidades e institutos politécnicos recebem cerca de 30%. Isso destaca uma lacuna no apoio direto a projetos académicos, muitas vezes responsáveis por avanços fundamentais (Dados retirados do Sapo - "Governo fixa meta de 1,9% do PIB para investimento em ciência e inovação").

Existem diversos desafios pelos quais os cientistas portugueses passam. Em primeiro lugar, a falta de financiamento e investimento. Estas escassez crónica obriga-os a competir por bolsas limitadas que muitas vezes cobrem apenas o básico. Laboratórios mal equipados, salários baixos e atrasos na libertação de fundos são problemas frequentes.

No imaginário coletivo português, a ciência ainda é vista por muitos como algo distante e abstrato. Os media raramente dão o devido destaque às conquistas científicas nacionais , preferindo concentrar-se em eventos desportivos ou escândalos políticos. Para além disto, o sistema português de avaliação de projetos é frequentemente descrito como burocrático, lento e desalinhado com as necessidades dos investigadores. Essa rigidez é frustrante para aqueles que tentam inovar e procurar soluções rápidas para problemas emergentes.

Curiosamente, muitos cientistas portugueses encontram reconhecimento internacional, recebendo prémios, liderando projetos de alto impacto e publicando em revistas de prestígio. Esses feitos, no entanto, raramente se traduzem em valorização no sistema científico português. Exemplos como o de Elvira Fortunato, pioneira em eletrónica transparente, destacam como o talento nacional pode brilhar globalmente. Mas, mesmo nesse contexto, a retórica predominante no país é de surpresa, como se tais feitos fossem anomalias e não o reflexo de uma base científica sólida.

Para colmatar isto, a meu ver, existem 4 passos essenciais que como sociedade, temos de dar. Em primeiro lugar, aumentar o investimento na ciência. Um compromisso governamental para elevar o investimento em I&D é fundamental. Países como a Suécia e a Alemanha demonstram que o investimento estratégico em ciência tem um impacto direto no desenvolvimento socio-económico. De seguida, é necessária uma promoção da cultura científica. Iniciativas de divulgação, como feiras, documentários e parcerias com os media podem ajudar a aproximar a ciência do público, destacando o papel crucial dos cientistas no progresso da sociedade. A redução da burocracia também seria algo bastante importante a atacar, pois a reformação de processos administrativos relacionados ao financiamento e à execução de projetos é crucial para facilitar o trabalho dos investigadores. Por último, mas não menos importante, creio ser importante a criação de prémios nacionais de ciência, com uma ampla cobertura mediática, de modo a promover e elevar o status dos cientistas no imaginário coletivo.

A não apreciação dos cientistas portugueses é um problema multifacetado que requer ações concertadas por parte do governo, da sociedade civil e das instituições científicas. A história e o talento estão do lado de Portugal. Aquilo que falta é a vontade política e cultural de reconhecer e capitalizar esse potencial. A ciência portuguesa não precisa de ser apenas mais uma nota de rodapé na história global. Com o devido apoio e valorização, pode ocupar o espaço de destaque que sempre lhe foi devido.

A valorização da ciência é, antes de tudo, um ato de gratidão àqueles que, com humildade e dedicação, iluminam os caminhos do desconhecido. Que nunca nos falte coragem para reconhecer e apoiar quem dedica a vida a ampliar os horizontes da humanidade.

Gonçalo Brito

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