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A Liberdade do conhecimento e a preservação da Democracia

25-09-2024

A "liberdade do conhecimento" surge como um conceito heterogéneo complexo que se define como o acesso irrestrito à informação, à educação e ao saber, sem barreiras impostas por questões económicas, políticas ou sociais. Para além disto, este conceito possui implicações profundas dentro do funcionamento das sociedades democráticas, pois são os cidadãos informados que possuem a capacidade de criticar, questionar e influenciar a realidade na qual existem.

O conhecimento, tal como a educação, deve ser entendido como um direito humano básico. A Declaração Universal dos Direitos do Homem (1948) reconhece a educação como direito essencial e indispensável para a dignidade humana que permite a participação ativa na sociedade. Dito isto, a liberdade do conhecimento não se restringe à aquisição de conhecimento formal, mas engloba também o livre fluxo de informações e o direito à aprendizagem contínua.

Infelizmente, em diversos países do mundo, o acesso à informação é limitado por uma série de fatores, tais como a censura governamental, disparidades económicas e até mesmo a privatização do saber. A ONU, em 2016, declarou o acesso à internet como um direito humano e reconheceu que a exclusão digital promove o agravamento das desigualdades sociais, privando milhões de pessoas de oportunidades de aprendizagem e desenvolvimento.

Exemplos como a Khan Academy e o Coursera, que oferecem cursos gratuitos para milhões de estudantes, demonstram notavelmente como a democratização do conhecimento tem transformado o acesso à educação através da proliferação de plataformas de aprendizagem online. Para além disto, o movimento Open Access (disponibilização online e sem limitações dos resultados de investigação científica), que procura tornar a pesquisa científica gratuita, desafia ativamente o sistema de publicações académicas pagas, permitindo que o conhecimento criado por investigadores e universidades seja acessível para todos, independentemente da sua capacidade financeira.

Numa democracia saudável, o conhecimento e a educação são essenciais para assegurar a cidadania ativa. John Dewey, na sua obra de 1916, Democracy and Education (Democracia e Educação), argumenta que a educação é o meio pelo qual os cidadãos adquirem as ferramentas fulcrais para a participação de forma crítica e refletiva na vida pública. O analfabetismo e a ignorância, por outro lado, são características necessárias para a manipulação política, o autoritarismo e o enfraquecimento das liberdades individuais.

O acesso livre ao conhecimento garante que os cidadãos possam formar opiniões bem fundamentadas, participar em debates públicos e votar de maneira informada. A sua ausência resulta na degradação da esfera pública, conforme observado pelo sociólogo Jürgen Habermas na sua obra, The Structural Transformation of the Political Sphere (1989) (A Transformação Estrutual da Esfera Política). Para o autor, a esfera pública, que se define como o espaço de debate e troca de ideias, é importantíssima para o exercício da democracia. No entanto, quando o conhecimento é monopolizado por elites políticas ou empresariais, esse espaço é comprometido, limitando a capacidade do cidadão comum participar plenamente na vida política.

Um exemplo recente que ilustra o impacto da restrição ao conhecimento numa democracia é o escândalo da Cambridge Analytica, onde dados pessoais foram usados para manipular o comportamento eleitoral de milhões de cidadãos nos Estados Unidos da América e no Reino Unido. Este caso revela como o controlo sob a informação pode ser usado como um arma ou como uma ferramenta destinada a minar a autonomia das pessoas, subvertendo os processos democráticos, colocando-os em causa.

Apesar dos avanços trazidos pela digitalização e pelo crescimento da internet, novos desafios surgiram. A proliferação de fake news, a desinformação e o controlo sobre o algoritmo da informação são exemplos preocupantes de como o conhecimento pode ser distorcido e manipulado.

A pandemia da COVID-19 demonstra um exemplo alarmante da disseminação de desinformação em larga escala. Informações falsas sobre tratamentos, vacinas e a própria existência do vírus espalharam-se rapidamente. A filósofa Hannah Arendt argumentou, na sua obra Truth and Politics (1967) (Verdade e Política), que a verdade factual é essencial para o discurso político. A distorção deliberada dos factos, seja por governos autoritários ou atores privados, compromete a base racional do debate democrático. No debate eleitoral de 2024 entre os candidatos do Partido Republicano e o Partido Democrata nos Estados Unidos da América, Donald Trump foi corrigido pelo menos três vezes devido a declarações falsas que tentou passar como informação fidedigna, mais concretamente, em relação ao nível de crime, leis do aborto e declarações económicas. Aqui verifica-se a importância de um mediador, que procura responsabilizar os atores políticos.

"A leitura torna o homem completo, a conversa torna-o ágil, e o escrever dá-lhe precisão."
Francis Bacon

Para além disto, as plataformas digitais estão estruturadas de forma a favorecer a "viralidade" de informação sensacionalista e polarizante em detrimento da precisão e veracidade da mesma. Cass Sunstein na sua obra, #Republic: Divided Democracy in the Age of Social Media (2018) (#República: Democracia Dividida na Era das Redes Sociais), alerta que a fragmentação do espaço público em bolhas ideológicas, exacerbada pelos algoritmos das redes sociais pode conduzir ao enfraquecimento da democracia, ao criar realidades alternativas que não dialogam entre si.

Diante os desafios contemporâneos, proteger a liberdade do conhecimento é mais urgente do que nunca. O conhecimento é a ferramenta mais poderosa na luta contra o autoritarismo, a desinformação e a manipulação. O filósofo Amartya Sem argumentou que a liberdade de escolha e de pensamento são essenciais para o desenvolvimento humano e para a construção de sociedades justas na sua obra de 1999 - Development as Freedom (Desenvolvimento como Liberdade). Neste contexto, a liberdade do conhecimento é central para a manutenção da democracia.

É necessário que os governos e instituições globais tomem medidas para garantir o livre acesso à informação, regulando o poder das grandes corporações tecnológicas e, simultaneamente, promover o acesso universal à educação. Ao mesmo tempo, devemos continuar a batalha contra a desinformação de modo a fortalecer a capacidade de distinção entre conhecimento legítimo e tentativas de manipulação por parte dos cidadãos. Só assim será possível garantir que o conhecimento se mantenha como uma força emancipadora dentro das sociedades democráticas, pois este confere ao Homem a capacidade de transcender a sua condição inicial, permitindo-lhe não apenas compreender o mundo ao seu redor, mas também redefinir a sua própria essência, moldando-se continuamente em direção a um nível mais elevado de existência e plenitude.

"Vivemos numa época em que a informação está disponível a todos, mas o discernimento é privilégio dos que sabem questionar."
Hannah Arendt

Gonçalo Brito

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