A Cultura Não Dá Lucro. Por Isso Foi Esquecida.

Em Portugal, a Cultura perdeu o seu lugar na mesa do poder. Com a mais recente decisão do novo Governo de Luís Montenegro, em entregar as pastas da Cultura, Juventude e Desporto a uma só ministra, sem qualquer ligação profissional ao setor cultural, sentimos na pele aquilo que artistas e profissionais já sentem há décadas: A Cultura é tratada como um produto e não como uma prioridade. Esta decisão, aparentemente técnica, tem um significado político profundo, simbolizando não apenas uma mudança de representantes ou estruturas, mas também a postura que o país assume acerca da sua identidade e raízes, representa uma quebra com a comunidade e com a arte.
A nomeação de Margarida Balseiro Lopes, até agora ministra da Juventude e Modernização, como ministra responsável simultaneamente pela Cultura, Juventude e Desporto, no passado dia 5 de junho, não foi recebida com bons olhares. Apesar de manter o estatuto ministerial, a pasta da Cultura perdeu centralidade política e autonomia. Esta decisão governamental não só prejudica exclusivamente a cultura, mas também todos os outros setores que com ela foram afiliados. Como disse Rui Galveias, numa intervenção à agência de notícias Lusa, "É desvalorizar os três". Na mesma linha de pensamento, o presidente do Sindicato dos Trabalhadores de Arqueologia (Starq), Regis Barbosa, afirmou que, "mais do que o nome da ministra, o que parece claro é que a Cultura não vai ser valorizada pelo novo Governo, fica fundida com outros ministérios, uma solução que não augura ser positiva", assumindo mesmo que esta, foi uma má noticia. A decisão do governo parece ter sido encarada como uma escolha de gestão fria e impessoal, inserida num contexto de viragem à direita, onde o setor cultural é colocado em segundo plano, sem visão estratégica ou investimento sustentado.
E se a política interna fragiliza o setor, o contexto económico global aprofunda ainda mais a ferida. Um dos melhores exemplos globais, surge a partir do festival norte-americano Lollapalooza, onde a arte deu lugar ao luxo, e se deixou levar pelo modelo Capitalista.
"A música já não é cabeça de cartaz", escreve Fábio Lopes no jornal Público. Neste artigo conseguimos perceber, que realmente a música e a arte deixaram de ser a essência do festival, dando lugar a experiências fúteis e elitistas. O Lollapalooza, festival norte-americano que se realiza anualmente em Chicago, EUA, outrora um símbolo de contracultura e diversidade musical, anunciou para esta edição, o pacote "Lolla Insider", de aproximadamente 25 mil dólares. Um valor exorbitante, que não só já é ridículo pelo seu custo, como também, ainda promove uma disrupção na união do coletivo pela arte e pela música, separando o publico por classes e favorecendo as elites.
Este pacote promete acessos privilegiados: áreas exclusivas na frente do palco, entrada no backstage, transporte em carrinhos de golfe, receções pré-espetáculo regadas a bebidas e até um concierge pessoal para tornar a experiência o mais VIP possível. Como o autor refere, "o capitalismo transformou a arte num produto de luxo, segregando o público entre os que podem pagar para "pertencer" e os que são relegados às massas nas áreas comuns". Esta lógica capitalista, desfavorece e desvaloriza a cultura, impondo valores que se sustentam na capacidade de ostentação, no luxo e na exclusividade, visando sempre o lucro. Tudo circula na base do lucro, e só o lucro importa.
Festivais como o Lollapalooza, que nasceram da contracultura, do espírito de disrupção contra o sistema, hoje esquecem as suas origens, e fundamentam-se na lógica capitalista, transformando a cultura em uma "experiência premium", esvaziando o conteúdo artístico das suas essências transformadoras e comunitárias. Os festivais de música tornaram-se um mercado, deixando para trás a rebeldia e acessibilidade que um dia os haviam sustentado.
Todas estas viragens não só na política nacional, mas também no mundo fazem-me refletir que, apesar de consumirmos muita cultura diariamente, seja música, teatro, cinema, ou até mesmo outro formato de arte, raramente pensamos nas pessoas por trás das experiências que nos emocionam. "Pensamos pouco na cultura — e menos ainda nos artistas", denunciam Manuel Neves e Francisco Silva no jornal Comunidade Cultura e Arte. A precariedade, o abandono e a falta de políticas públicas eficazes tornam a vida e carreira artística uma escolha de risco extremo. Há estruturas, há fundos e há talento. O que falta é vontade política e compromisso real com os criadores e agentes culturais.
"Valorizar a cultura não pode ser apenas aplaudir no final de um espetáculo. Tem de ser um compromisso real."
Tratar a cultura como um bem de luxo é amputar-lhe o poder social. A cultura não é um mero entretenimento superficial, é identidade, memória, cidadania e resistência. Se o nosso país e todos nós continuarmos a olhar para a cultura com desinteresse, ou até mesmo como um produto luxuoso e não como uma necessidade, continuaremos a afundar a nossa nação à mediocridade, continuaremos a virar as costas às nossas raízes e a todos os que por elas um dia lutaram. Num mundo cada vez mais dominado pela lógica dos lucros, a arte tornou-se um mercado e não um direito. Enquanto isso, os governos, como o atual, contribuem para o esquecimento e a desvalorização, tratando a cultura como uma extensão, e não como um pilar da sociedade.
"Sem cultura, e sobretudo sem a liberdade de a
criar, não há verdadeira democracia."
José Saramago
João Ribeiro